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sexta-feira, janeiro 8

Silencio.

[...] Depois desse dia começou a andar sozinha pela praça. Caminhava de manhã e no fim da tarde, sempre repetindo o mesmo curso que faziam juntos, até parar onde ele costumava roubar um ramo de alfazemas e guardar sob o pulôver desbotado. Passou a dormir mal e pouco. Acordava antes do amanhecer, preparava um café da manhã pela metade, com gosto de pela metade e ficava lendo os almanaques espíritas da vó, que deus a tenha, até a hora do almoço. Não chorava, porém. Era ela que o havia ensinado a chorar, não o contrário. Estranho é que tivessem de repente trocado os papéis, como naquela parábola de "Lázaro e o rico" que a tia Custódia contava, se é que ela contava direito. O que isso não afetava, entretanto, era o fato de que ela sofria, sabia que ele também estava sofrendo e se atormentava fingindo que achava que não. E assim os dias se arrastavam, o cheiro não deixava a casa e a voz dele continuava a ecoar pelos cômodos em diferentes tons, assim como os passos. Ela estava emagrecendo, envelhecendo, tinha começado a beber café e fumar num dia, no outro já estava viciada. Estava a ponto de sufocar, mas não, ela só não fazia o que tinha de fazer: ir atrás dele. Queria eu ter o poder de dizer a esta mulher o jeito certo de agir, nem que isto apressasse o final do romance. Se ela soubesse que estas coisas simples, como abrir a geladeira e não ver o vinho rosé, ou notar o chão do banheiro seco, ou o aquário vazio, estas coisas pequenas que só se notam pela ausência, enfim, se ela soubesse que elas a torturavam tanto quanto a ele estava fazendo mal o silêncio... “Droga!”, dizia ele apertando o travesseiro sobre a cabeça, “Droga!”, ele dizia, e isto não podia ser outra coisa senão este mal estar de quem perdeu um amor, esse vazio estranho que nem dor é, mas que dói. E ela lá, com a vó, vez em quando rindo sozinha por ter ouvido no silêncio alguma piada contada por ele, vez em quando quase chorando e repreendendo a própria fraqueza, e sempre, sempre com um cigarro numa mão, o isqueiro e o celular na outra.

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